sexta-feira, outubro 26, 2007

Tropa de Elite

(Brasil, 2007)



"Caveira, meu capitão!"

Depois da falsificação da pirataria, agora é a vez dos falsificadores de carteirinha de estudante assistirem na tela grande a Tropa de Elite. E vamos ser “honestos”: o primeiro filme pirata que a gente nunca esquece. Que diga o diretor José Padilha (Ônibus 174)! Tropa de Elite é mesmo o grande filme brasileiro a surgir nesses últimos tempos, sobretudo porque, fora o lado da denúncia, é um filme policial brasileiro com cara e alma de filme policial de fato, narrado do ponto de vista dos policiais, como nunca antes feito neste país. Filme de ação reflexivo e contundente do tipo olho por olho, dente por dente, um pouco como os flics franceses dos anos 70 ou os Death Wish, Get Carter e Dirty Harry da vida. Mas também muito mais complexo em seu contexto à brasileira. Nada da apologia da violência ou do estado policial, como insistem alguns hipócritas bem pensantes. As ações truculentas do Bope, como a tortura e a morte de moradores da favela, são mostradas provavelmente de um jeito seco, verossímil, como na realidade, parte de um contexto muito maior, com ramificações e tentáculos no restante da sociedade,não só no morro ou no quartel. E nem vale a pena insistir na ladainha na qual o filme é bom ou ruim por causa da tortura, que atiçaria os baixos instintos da platéia. Não há aqui também caricatura ou palavreado sociológico atravancando a ação. Ou se há, como na cena da aula sobre o "Vigiar e Punir", de Foucault, o discurso é reafirmado em seguida, por meio somente das imagens. E não há, principalmente, essa de traficante ruim versus traficante boa praça, sarado e seminu e que ouve Raul Seixas e Elis Regina sorridente, num mundo que se fecha sobre si mesmo, como num universo à parte. Sem essa também de negão descamisado do tráfico, esbanjando vitalidade, brasilidade e besuntado de suor, coisas de cor local e tal, correndo e dando piruetas na praia, iuuupi!, mostrando o quão legal pode ser um cara assim, mesmo que armado com fuzis e pronto para rasgar qualquer um no meio. Também nada de Caetano sentado na laje da favela, dedilhando o violãozinho e cantando com veludosa voz. E nada também de Cartola ou Nelson Cavaquinho na trilha para tornar mais, digamos assim, "líricos" (e palatáveis para o bom gosto das classes médias culpadas) o cotidiano e a violência do morro. Aqui, logo no começo, tudo é mais cru e direto, com o bom e velho funk bombando nas caixas, antes da chegada no morro do Bope para mandar bala na cara dos bandidos e dos “polícias” corruptos, na história de dois “aspiras” da PM do Rio, os novatos e idôneos Matias e Neto, recém-chegados à corporação, que têm que lidar diariamente com a penúria e a corrupção de seus superiores, que culpam o “sistema” por tudo, embora façam bom uso dele por meio de propinas para fazer as coisas caminharem. Somente para benefício deles. Dos superiores, está claro.

Um dos aspiras, Matias (André Ramiro), é idealista, dedicado e ainda estuda Direito numa facú freqüentada predominantemente por playbas das classes média e alta, tipinhos ditos socialmente engajados, mas hipócritas e que fariam vista grossa para o crime, conforme atesta a narração em off do capitão Nascimento, que pontua o filme, sendo co-reponsáveis pelo tráfico, ao participarem de um projeto social na favela, ao mesmo tempo em que fumanm a maconha e cheiram a cocaína fornecidas pelos próprios traficantes do pedaço, os donos do local. Pela visão negativa que seus coleguinhas têm dos PM, Matias, claro, prefere não dizer pra ninguém da galerinha da facú que é da corporação, o que vai lhe custar caro. O outro, Neto (Caio Junqueira), amigo de infância de Matias, é mais impulsivo, gosta de ação e é inclinado assim a fazer cagadas. Um dia, para consertar as viaturas paradas por falta de peça, os dois resolvem usar o sistema contra o sistema, garfando o dinheiro da propina, o “arrego” do jogo do bicho então destinado ao comandante da PM. O capitão Fábio (Milhem Cortaz), que seria o responsável por ter se apropriado da propina de seu superior, é pego de surpresa e mandado pelo comandante para subir o morro com outro pelotão e, pior, desarmado, numa “visita” de rotina. Para ser apagado, na verdade, uma retaliação do comandante. Os dois aspiras, do lado do Fábio, intervêm clandestinamente e desastrosamente e começa uma batalha, que abre o filme. O Bope, na ação chefiada pelo capitão Nascimento (Wagner Moura, excelente), um tipo carismático, incorruptível, truculento e com um senso de humor muito particular nas frases que dispara, é obrigado também a intervir, pondo em prática o seu “conceito de estratégia”. No entanto, já bem cansado dessa guerra sem fim e inútil e, com a chegada do filho, entra em pânico. Não quer mais subir a favela em operações arriscadas para limpar a merda de seus colegas da PM e dos políticos, deixando cadáveres e mais mães sem filho por aí. Para isso, procura um substituto à altura para o cargo, isso no ano em que ele ainda tem que garantir a segurança do Papa João Paulo II em 97, durante a visita de Sua Santidade ao Rio. De maneira hábil, o filme recua em flashback para armar a complicada rede de relações que teria levado àquela intervenção do Bope. E Matias e Neto, prováveis substitutos de Nascimento, salvos pelo Bope no meio da confusão no morro (“Então, hoje vocês vão aprender a carregar cadáver!”), vão participar do brutal treinamento militar para entrar para a temida Tropa de Elite da PM. Fazer parte do “Caveirão”, nos melhores momentos do filme. No meio disso, uma sensação de uma guerra já declarada faz tempo, em excelentes cenas de batalha que ilustram o estado atual das coisas e uma arma que aponta, no catártico final, para a cara da platéia, que seria tudo, menos inocente (“Só rico com consciência social, não sabe que guerra é guerra”), nessa guerra que se espraia dia a dia por vários estamentos da sociedade brasileira, deixando vítimas dos dois lados, num filme que, sem maniqueísmos, não dá soluções fáceis (talvez porque não exista nenhuma solução) e, principalmente, não desdenha daqueles que participam da ação militarizada de repressão ao crime, como sói acontecer nas películas brazucas sobre a ditadura, sobre as favelas, etc. Ou seja, sai-se de um buraco, que é o da corrupção da PM, cujo laxismo e despreparo ajudam a alimentar o tráfico, mais a hipocrisia das classes abastadas "esclarecidas" que supostamente financiam e armam os traficantes, para cair em outro ainda mais fundo, que é o da violência do incorruptível, mas truculento Bope, que, nessa guerra cotidiana, está pouco se lixando para a Convenção de Genebra, que mesmo entre os marines no Iraque já foi pro "saco" faz tempo.

RETIRADO DE: blogofsnobs.blogspot.com

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